sábado, 14 de março de 2009

Xeque-mate

É sábado e as pessoas estão festejando. A verdade é que nem ao menos sei porquê estou aqui. Acho que voltei a um estágio inicial de observância. Todas as vozes parecem ruídos e corro o mais rápido que posso para não perder as mais conhecidas. Não que tenha ficado surda, isso não. Os sons estão ininteligíveis e eu tenho pavor de enxergar e não entender. Cadê você que me faz tanta falta? Cadê todo aquele eu?

O dia transcorre transtornado e eu aqui pensando em você e movendo a torre, a rainha e o cavalo. Xeque-mate. A torre desabou por causa da minha mão. O líquido do meu copo transfigurou a rainha. Juro que estava indo bem no jogo. Tenho esta maldita mania de jurar e geralmente minto. Mas juro que estava indo bem no jogo. A rainha está diferente agora; está inexplicavelmente cheia da plebe e sua presença é artefato dormente. O cavalo move-se para todos os lados. De lá pra cá, de cá pra lá... Não pára. Arrasta-se. Não paro. Continua. Tento. O caminho não existe, ele se faz ao caminhar.

Quero fazer uma viagem, não importa aonde, pode ser aqui ou na China, não importa onde. Mover. O cavalo pode mover-se de todos os lados, para todos os lados, praticamente uma esquizofrenia delimitada por quadrados brancos e negros. Contudo, amava mesmo a torre. Amava meu sótão só com a janela aberta. Via estrelas cadentes e sonhava morrer quando uma caísse em mim, esta seria a morte mais bonita do mundo. Nunca joguei tranças, meu cabelo é curto demais. Deixava a porta de vitral colorido encostada. Era só invadir ou sorrir ou abraçar.

O líquido do meu copo esvaiu-se, inundando a torre. A rainha transfigurada observa silenciosamente ao longe. O sol se põe delicadamente e avermelhado. A noite altiva e prateada acaricia os cabelos desgrenhados da então aliviada rainha. Aliviada porque a noite iguala os seres. À noite todos são igualmente sós, mesmo que em sonhos.