domingo, 24 de outubro de 2010

Seguir

Se dissesse adeus e saísse correndo pela porta, o que faria? Certamente nada. E você, de fato, nada fez. Você me dizia que sempre me emprestava algo porque, caso nos desentendêssemos, eu teria que voltar pra devolver a tal coisa, assim teríamos uma segunda chance. Não havia nada mais de bom, dado, emprestado ou compartilhado, entre nós. Lembrei-me disso logo que fechei a porta do elevador na portaria. O que foi isso? O que fomos nós? Deve ter existido algo, senão meus olhos estariam secos naquele momento. Pessoas fortes como eu não choram, por isso existem os óculos escuros.

As calçadas preto e brancas lembravam-me aquilo que tivemos juntos. À esquerda estava o Café, do outro lado da rua estavam a banca de jornal e a loja de doces, à direita estava a livraria. O tempo congelou e te vi ali tantas vezes e eu contigo comprando doces diferentes, bebendo café gelado e comprando livros de prateleiras diferentes. Eu te vi ali tantas vezes – o homem que admirava, que me fazia rir. Por um instante achei que te re-encontraria. O relógio voltou com seus tic tacs. Vida que segue e você que não me seguia. Eu já esperava por isso e esperava que você me esperasse, mas você não é homem de esperas. Esperar é ideal romântico feminino. Você é o mais normal dos homens e isso me fazia a mais infeliz das mulheres.

Dizem que a energia vital é cíclica. O que não compreendo é como isso poderia ser benéfico – voltar ao começo, voltar aos erros, voltar a você. Fechei a porta de casa e num esforço sobre-humano, joguei as chaves na mesa de centro e me joguei no sofá. Poderia ficar de pé, inerte até minhas pernas ficarem dormentes ou com câimbras tamanho cansaço que sentia; deitar era, na verdade, um gesto de piedade. Havia passado dois anos por nós. Fitei aquele molho de chaves largado na mesa. Gostaria de ter sabido como é morar com você, como é amar e ser amada por você, como é dividir com você. A culpa também é minha, pois fiquei esse tempo todo mostrando, em todo e qualquer gesto, o seguinte: olha como eu sou forte, olha como você não me faz falta, olha como minha vida continuará perfeita sem você. O que você não sabe e o que eu não entendo o porquê de eu ser assim, é que essa é minha forma mais doce, mais delicada de dizer eu te amo.

Tic tac, o tempo acabou e ele foi generoso, nós que não fomos generosos com o que tivemos. Você não verá fotos minhas em festas e sorrindo. Não me maquiarei mais nem colocarei roupas chamativas para ir ao trabalho semana que vem. Estarei com meus brancos, cinzas, azuis e pretos de sempre, darei bom dia, sorrirei e direi todas as frases que o trabalho demanda. No computador, uma foto nossa minimizada enquanto estou no banheiro tentando respirar. Mas eu consigo, eu sempre consegui sorrir e seguir. A única coisa que nunca consegui foi deixar você me amar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amar é transgredir.

Eram exatamente naquelas tardes cinzentas em que ela o via. Ele era meio desengonçado e além dela, não se sabe quem mais atentava as pupilas para o caminhar dele. O nome dele era Roam. Roam, nunca ouvira um nome tal qual, mas combinava com aquele sorriso sempre desconfiado e um olhar que parecia fugir do olhar. Ela o via às quintas-feiras e não importava o que estivesse fazendo, ela iria sentar naquele banco, no final da tarde, e esperá-lo passar. Por vezes, existia a sensação de reciprocidade de olhares e talvez fosse realmente tamanha que desviavam-se concomitantemente. Em uma dessas quintas, os dois dividiram o banco.


Tantos anos depois e eu só penso em você. Lembra daquela vez em que você pediu que eu te ensinasse a me beijar? Lembra o que eu disse? “Os lábios devem ser beijados devagar, que são como o inicio de uma jornada. Jornadas precisam ser sonhadas e, quando iniciadas, precisam ser tateadas por dedos ávidos e carinhosos, como quem desenha uma rota de fuga. Posteriormente, a entrada em outro território permite uma troca quente e saborosa.” Você me disse, sorrindo matreiro, que não havia entendido absolutamente nada, me agarrou pela cintura, ajeitou meu cabelo e me beijou longamente. Lembra? Eu nunca esqueci.


Hélio caiu na sarjeta depois que Bela foi embora. Eram tantas mentiras que passaram a viver delas – metiam que se amavam, que se desejavam, que eram felizes. Mentiam todo o tempo. Bela mentia ao dizer que tinha tirado de alguma planta a flor que trouxera no cabelo. Hélio mentia sobre um problema de ereção. Um ria das piadas incompreensíveis do outro e tinham longas oito horas de sono diárias. Hélio casara-se com Bela porque era, de fato, bela. Bela casou-se com Hélio por qualquer motivo que não resiste ao mal hálito matinal. Traíam-se para suportarem-se. C'est la vie. Mas sempre haverá alguém pra desistir ou compreender primeiro.


Dançavam exibindo corpos torneados e suados. No dia seguinte, um sábado, acordaram num motel barato, nus e ainda com a sensação de cansaço e falta de ar. Nenhum dos dois lembrava-se o que havia acontecido, mas sabiam que havia sido bom. Mentiram seus nomes e enquanto ela tomava banho, ele pegou o celular dela para gravar o número. Domingo, 10:00, ligação: Oi, sou eu, de ontem. Quero te ver. Me diz seu nome de verdade? Meu nome é Júlia. Também quero te ver de novo. Domingo, 15:00, reunião de família: Este é meu filho que não conhecia. Estou muito feliz de, finalmente, tê-lo aqui. Domingo, 15:02, terror.


Eu te amei até com meu medo. Mentiria se dissesse que não gostaria de mergulhar em você. Não posso. Tenho medo dos teus segredos, de você ir embora, tenho medo de me ferir, de me afogar e não há morte pior que a concebida na praia. Preciso que você me ame, que me grite. A fria aqui sou eu e você não tem o direito de me imitar. Hoje quando suas mãos deslizavam deliberadamente nas curvas do meu corpo voluptuoso, só consegui pensar: uma pena amanhã ter que chegar. Ter que mapear um novo comportamento com o meu tão típico blasé, passar uma maquiagem escura nos olhos e me repetir. Não preciso que haja um amanhã, só quero que o hoje dure eternamente.

domingo, 3 de outubro de 2010

oh, yes

there are worse things than
being alone
but it often takes decades
to realize this
and most often
when you do
it's too late and
there's nothing worse
than
too late.

Charles Bukowski