quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Bonne Année






Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,

alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca. (1)


Começaram as enxurradas de clichês. Que coisa maldita! Os blá blá blás me irritam profundamente nesta época, pois parecem atípicos demais. Uma vez ouvi que os clichês, às vezes, nos livram de situações cujo controle nos foge às mãos. E, mais uma vez me pergunto: Quando temos o controle? O falatório continua. Contudo, este final de ano nem ao menos as gavetas consegui arrumar. Maquiar defuntos não é tarefa agradável e já que estão mortos mesmo, preferi deixá-los como realmente são e estão. Claro que todo ponto de vista é a vista de um ponto, mas e daí se sou míope? Provavelmente, só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são. (2)

Por falar em miopia, me lembrei do Bernardo. Ele era uma figura. Um ser compreensivo e, por vezes, meigo até demais. Mas o que isso importava se eu gostava dele mesmo assim? Experimentei várias coisas com Bernardo, desde álcool até ciúmes comedidos. Nos falávamos todos os dias ou, pelo menos, quatro vezes na semana. Cheguei a nutrir certo amor platônico por ele que foi assassinado por uma distância fatídica. No final nem paixonite, nem amizade. O elo se quebrou e a última coisa que soube dele é que foi morar em Brasília depois de romper relações com os pais e as irmãs. Achei muito estranho. Mas a política socialista de Cuba também era e eu não morri por isso.

O pior para mim é ainda amar você. Sim, você. Não cito nomes porque não quero ficar ouvindo seus ecos; eu não mereço ficar ouvindo sua voz. Algum tempo atrás você disse que nós seríamos para sempre. Eu sempre achei que para sempre e nunca abrangiam tempo demais. Mas que seja infinito enquanto dure. (3) Portanto pedi que fossemos mais devagar. Você citou um de seus autores favoritos dizendo que o amor era para ser vivido até a última gota. Golpe baixo. Acreditei. A esperança é pressuposto do amor e vice-versa. Você é fraco porque deixou eu te amar. Eu te amei. Eu sou mais fraca por ter te amado. Eu ainda te amo. Ele era triste e alto. Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para destruição. (4) Mas, e daí? Continue passeando por aí usando seu Ray Ban com todo aquele ar de quem não se importa em importar-se. Continue levando esta merda toda, empurrando tudo isso com a barriga. Só não me olhe amorosamente e atenda as minhas ligações e pare de implicar com meu vício por chocolate.

Por falar em gula, ontem ganhei de presente uma caixa de bombons. Estes com recheio de mouse de maracujá. Delicioso, porém esquisito. O que seria a mistura de chocolate com maracujá? Ecstasy e Gadernal? Comentei isso com uma amiga muito querida, a Fabiana. Ela me ligou ontem, após algum tempo sem contato. Matei um pouco das saudades da risada alta dela. Fabiana sempre teve o dom de me alegrar e não haveria de ser diferente agora. Conversamos sobre tudo, como sempre. Foi sensacional senti-la feliz. Está casada e teve um casal de gêmeos univitelinos e isto era algo que Fabiana jurava não fazer nunca: casar, ter filhos e uma casa branca e barulhenta. Pouco importa, na verdade. A única coisa que sempre quis era ver toda aquela tristeza que ela tinha no olhar se dissipar. Consegui sobreviver para admirar tudo isso e torcer para que, um dia, sentisse o mesmo. Eu e ela sempre conversamos sobre tudo; sexo, drogas e rock’n’roll. As divagações eram tamanhas e não poderia ser diferente no que tange meu comentário sobre o chocolate e o recheio. No final chegamos a um denominador comum: chocolate dá o maior tesão. Nos despedimos. Mas as despedidas entre Fabiana e eu nunca eram tristes.

Meu quarto estava uma bagunça e eu estava com uma preguiça antagônica a vida. Odeio Física e as três leis de Newton, mas o que odeio mesmo é a inércia. Puta que pariu! Estava muito calor e todos estavam felizes. Como alguém consegue sobreviver a este inferno? Saí do meu corpo e me empurrei; levantei. Inferno astral. Comecei a organizar as coisas de forma superficial. Não sei se algum dia conseguirei transpor esta barreira, mas o importante é, ao menos, parecer organizado. Todos têm orgulho de mim, preciso me manter neste patamar. A razão da pseudo organização era André. Ele nunca me trazia chocolates, André é o chocolate em si. Ele falava pouco, mas era conciso. Curto e grossamente nem me perguntava, também não me dava tempo de uma auto-indagação, fazia e ponto. Nunca reclamei, até gostava. Gostava muito mais por André ser o tipo de cara com quem eu poderia passar quatro horas conversando ou quatro horas de quatro, sem cobranças. Nos dávamos bem de qualquer forma e em diferentes posicionamentos sem necessariamente concordarmos. Puro behaviorismo. Tanto os estímulos quanto as respostas eram excepcionais. Nos veremos novamente em breve, se não estiver realmente apaixonada por alguém.

Tenho uma amiga que sempre fala de amores comigo. Coitada, amou demais, recebeu de menos. E que ninguém venha com aquele papo de que o amor é desinteressado até mesmo do próprio amor. Ninguém ama sem ser correspondido opcionalmente; até que me provem o contrário. Apesar disto Diana cultivou em si uma doçura admirável. Costumava viajar bastante, independentemente de sair de casa ou não. Quando saía, sempre me trazia um anjo de porcelana; todos graciosíssimos. Não tinha coragem de deixá-los ao vento e na poeira. Portanto, guardava todos eles em uma caixa: Lindos e delicados como ela. Diana é uma das pessoas que me trazem esperança e cheiro de violetas. É uma das poucas pessoas quem tem valido a pena. Digo isto porque nos últimos tempos muito poucas pessoas tem valido a pena e minhas noites de sono. E mais uma vez me vem um pseudo autorzinho qualquer dessas porcarias de auto-ajuda e diz: O importante é quem você é e não o que as pessoas dizem. Ou, o importante é o que está em seu interior. Portanto, nunca deixe ninguém te pôr pra baixo. Ok, ok... Isto pode até ser verdade, mas não sei até que ponto as pessoas podem ser tão avulsas e tão desimportantes assim na vida de alguém. O que fazemos com a máxima de que somos seres sociais e sociáveis? É possível estar aquém quando se convive com pessoas diariamente? Bem, se algum ser conseguiu tal conquista, peço que entre em contato comigo pelo Orkut.

E por falar em contato, faz tempo que não vejo Verônica. Nós costumávamos ser muito próximas e gosto dela, de verdade. Nosso afastamento foi deveras estranho; nem saberia discorrer a respeito. Todavia, seria muito desleal de minha parte se dissesse que não estava um pouco enjoada dela. Odeio gente que vive em função de uma coisa só. Verônica vivia em função do namorado. Lamentável situação porque ela é muito inteligente, não neste aspecto. Não sei se era algum espírito famigerado, mas algo a dominava e ela não fazia nada alem de trepar, é claro, e pensar no bofe nas horas livres. Se o cara lesse o manual de como tocar uma punheta, ela lia também, somente por ele. Por ela mesma muito pouco... Quase nada. As leituras de Chomsky e Schopenhauer ficaram de lado. Nossa amizade chegou a um ponto quase Kama Sutra. Verônica me contava o que fazia e eu ouvia calada e até com certo nojo. Ora, isso não me interessava. Para mim me bastavam as minhas experiências ou, se quisesse ver sexo com terceiros, alugaria um filme pornô. Nada contra voyeurismo, mas isso e amizade não combinam para mim. Nos afastamos por motivos não muito claros, mas sexo e amizade não competem entre si. Ela vive me dizendo que não a procuro mais. Eu cago e estudo ao mesmo tempo e o meu telefone também não toca. Ah, quer saber... Vai se foder, concomitante e denotativamente. Espero que seja bem satisfatório porque eu estou satisfeitíssima.

Satisfação garantida. É isto que Rafael gera em mim. Ele é um daqueles homens lindos com três namoradas e que usa todo o charme para pegar muita gente aleatoriamente. Nos conhecemos a três meses atrás. No começo fiquei bem interessada nele. Bastaram algumas horas para eu ter certeza absoluta de que ele é um babaca completo. Praticamente um boneco inflável, daqueles que vem com acessórios e tudo. Me divirto. Testo meu poder de sedução, viro as costas e vou embora. Rafael sempre volta com uma esperança adolescente e eu me divirto. Contudo, ele nem desconfia. Avisei que ele era um idiota.

Às vezes me pergunto se não sou uma filha da puta ou será que é justamente este o problema: Deveria ser uma. O ar está pesado ultimamente e não estou falando de efeito estufa, aquecimento global. Me perdoem os ativistas do Greenpeace. Juro que desligo as luzes e torneiras quando não estou usando e só uso duas folhas de papel para secar as mãos. A questão é que hoje não estou com saco para falar de coisas nobres. Sou egoísta. Sou mesmo. Quem não é? Acho que as pessoas seriam mais felizes se assumissem isso. Todos dizem que não são e matam por ciúmes. Nunca vi ninguém rejeitar um milhão de Euros porque há crianças passando fome na África. A Jolie por mais legal e solidária que seja tem três mansões, um rancho, alguns carros na garagem, casou com o Brad Pitt (Sorte a dela!) e não com um angolano pobre. Adoro a África e a Jolie, que fique bem claro. Não quero dizer que ela está errada, muito pelo contrário. O grande problema é que as pessoas não assumem suas escolhas. Jolie é rica e decidiu ajudar, portanto dá a cara à tapa. É uma escolha. Somos todos hipócritas, a questão é como isso se intensifica. Se alguém escolheu ser piranha. Ótimo. Decisão própria. Só não banque a mais virgem e casta de uma estirpe. Este povo não entende que a pena é o pior dos sentimentos e que não sentir nada é pior ainda. Meus brônquios se abriram neste momento.

Estou no ônibus. Então, ouço uma dupla inusitada: Caetano Veloso e Roberto Carlos. Indago que porra é essa. Não sei o que é pior, se banda de “rock” Emo com dor de cotovelo ou esta dupla. Cacete, tenho que parar de xingar, mas é difícil. Palavrões são processos catárticos em tempos caóticos. Será que Focault explica? Fones de ouvido. Autismo em ação. Mais uma etapa parece terminada, a não ser pelo beijo que espero desde meus quinze anos. Todavia, consigo conviver sem isso, sem ele... Consigo mesmo. Não que sinta ódio. Todos temos um passado. Não me arrependo de nada que fiz. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui. (5) Hoje de manhã, antes de sair, reli o e-mail da Verônica, tentei ligar para o Bernardo e escrevi o nome completo dele no livro que estou lendo (“Histórias de Amor”, Rubem Fonseca). Tudo no mundo começou com um sim.(6) Eu digo sim a cada segundo, a cada toque e mantenho todos os telefones na agenda do meu celular. Quem sabe algum dia. Quem sabe algum dia construa coisas novas com as velhas pessoas. Por agora preciso me reconstruir. A chuva cai pela janela e a música alta me deixa cada vez mais surda.

Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas. (7)

Luz. Depois da freada brusca do ônibus, a cidade ficou mais bonita e iluminada. As lágrimas secaram. Estou leve. Posso voar. Sentirei falta, mas quem sabe um dia?! Sem cronologismos... Qualquer dia basta.



1, 7- Os Mortos de Sobrecasaca. Carlos Drummond de Andrade In Sentimento do Mundo
2- José Saramago In Ensaio Sobre a Cegueira.
3-
Vinicius de Moraes In Soneto de Fidelidade.
4- História Interrompida. Clarice Lispector In A Bela e a Fera.
5, 6- Clarice Lispector In A Hora da estrela.

2 comentários:

oconselheiro disse...

Esse texto tem algo diferente dos outros... não sei ao certo dizer o q é. Tem um tom confidencial ótimo q mistura realidade e ficção! Apesar de grande prende a atenção. É irônico... verdadeiro... VC devia escrever um livro amiga! Parabéns

Hudson Pereira disse...

Concordo com Erick, tem realmente algo de diferente aí, mas eu não vou saber explicar. Começar meu domingo com esta leitura, nem sei o que dizer.

Amei esta parte: "Você citou um de seus autores favoritos dizendo que o amor era para ser vivido até a última gota. Golpe baixo. Acreditei."

Simplesmente Fabuloso!
Um beijo!