domingo, 13 de dezembro de 2009

Miroir



Quando vi os olhos castanho-esverdiados de Georgia cheios de lágrimas, só pude arraigar uma certeza: aquilo era amor, amor líquido, e medo, medo sólido.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Sacroprofano

Amanhecia. Eu virava-me na cama a procura do teu corpo que, na verdade, nunca esteve ali. Para mim, tua ausência era impossível de existir, pois sentia teu perfume povoar as janelas do quarto e teus olhos incendiavam toda aquela seda. Estava quente, ou melhor, era quente e não haveria condicionador de ar algum que pudesse abrandar tal temperatura. Parece que o Criador nos oferece dias quentes para nunca esquecermos como é estar nos braços de quem se ama. Eu te amava; amava-te em cada gota de suor que teimava em escapar dos lenços que usava para me secar. Gotas estas atrevidas e que prefiro não detalhar por onde passavam, pois sei que o ciúme é coisa vã e cega. O calor banhava-me o corpo inescrupulosamente e eu sabia que não havia escapatória. O suor violava o sagrado do teu cheiro e mostrava-me mais enfaticamente a cada segundo que eu precisava da tua chuva. Suor que me deixava feliz era o teu, o meu, o nosso escorrendo despudoradamente. Era essa mistura de cores e sabores que tantas noites nos transformou, em secreto, em nós e somente nós sabíamos disto. Há joias raras, cujos donos fabricam uma que lhe seja similar e a exibem por aí, assim também é o amor: por mais que seja mostrado para a gente, nunca é o real, o supra sumo do sentimento. Existe um pacto secreto entre os amantes e somente entre eles o amor mostra-se tal qual é, tal qual se sente, pois aos outros pode-se ver banalizado por qualquer coisa, mas entre os amantes o amor é o sêmen de duas vidas em constante gravidez de modo a tornarem-se uma. Precisava de uma banho; não sei porquê, mas os banhos sempre me aliviavam de tuas ausências e já que ausência é uma palavra que nunca deve ser usada no singular, tomava vários banhos por dia. Assim como Afrodite surgiu da espuma do mar, eram tuas mãos que surgiam das águas e curvavam-se na minha cintura e escorriam pelos meus quadris e mantinham teu cheiro inviolável sob minha pele. Então eu te batizava, em nosso nome, meu – meu esposo, meu calor, meu suor, meu amor. Eu sabia que não importava quando e onde, o nosso pacto estaria lá, naquele quarto e quando retornava ao nosso pecado original, você, sentado na cama, abria-me os braços e sorria. E em todas as vezes, em todo este tempo, que você me arrancava de mim mesma que sempre tive a sagrada certeza: se o pecado leva à condenação eterna, são tuas as minhas pequenas mortes e a eternidade para voltar a nascer.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sinônimos




Esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor.


Mario Quintana (Caderno H)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Vinte e 1.

Passei os três melhores meses da minha vida caminhando nua por esses corredores repletos de flores imaginárias com aromas bem reais que viviam por nos inebriar. Era engraçado como você conseguia ludibriar minha timidez com coisas que não poderiam ser esquecidas, nem escondidas e no fundo e no raso, eu não era nada resistente a sua sedução. É nessas horas em que falo de amor que me pergunto: é possível amar e não ser piegas? Não sei. Sei somente que era impossível eu não te amar feito uma menina, feito uma mulher. E era doce, até eu me tornei doce para você.

Sorriamos, gargalhávamos e trazíamos a vida para cada vez mais próxima de nós. Dois seres intensos não poderiam ter tanta paz, mas cada vez que discutíamos você me puxava pelo braço, cabisbaixa, e me beijava. Nós construíamos nossa paz mesmo através de todas as nossas guerras. Isso não significava que era fácil; não era tão difícil, mas era tão belo ver teus olhos pequenos e amendoados me olhando chorosos, então eu te abraçava. Tais abraços tornavam-se cada vez mais intensos e longos como se quisessem carimbar cada parte do meu corpo no teu. Daí chegava o vento que, por vontade própria, encarregou-se de secar nosso suor para que pudéssemos permanecer naquela inércia amorosa e braçal. Não há maneira de esquecer nossos segundos mesmo que eles, algum dia, permaneçam em algum lugar do passado: é pelo passado que somos quem somos, que estamos onde estamos e que nos amamos como nos amamos.

Houve dias que tive vontade de ser livre novamente, de ir e vir novamente. Estive enganada este tempo, pois você era minha liberdade. Não te ter à noite é que era minha prisão. Eu era um Ícaro muito diferente porque minhas asas eram reais, porque era você quem me fazia voar. E não importa se três, quatro meses ou quarenta anos, o que importa era poder te ver abrir os olhos todos os dias e estar certa de que todas as lágrimas que chorei algum dia se transformaram em um rio cujas águas me levaram até você. Chorava de emoção pelo tempo passar e nos mantermos juntos; chorava como quem joga a oferenda ao mar em agradecimento pela benção.

Amar-te desta forma foi a maior surpresa da minha vida e não era surpresa nenhuma que meus sonhos e minha realidade eram teus. Portanto os passos eram dados e então a vida coloria-se...

domingo, 9 de agosto de 2009

H(isteria)1 N(eurótica)1.

Sempre tive a impressão que os desabafos são pleonásticos e esse texto também o é, a começar pelo título. Este é um texto sem parágrafos, sem divisões, assim como o presente. Isso é um desabafo. Sim, eu disse que isso é um desabafo em alto e bom tom. Que ruflem os tambores, que toquem as cornetas, pois isso é um desabafo. Eu queria conhecer as mais belas palavras do Houaiss. Queria o mesmo deus inspirador de Chico, a depressão de Clarice, o vício do Noll, a voz afinada da Jones... Ah, eu queria tanta coisa. Estou ficando cada vez pior, fato. Enlouqueço e emudeço a cada crepúsculo. Sem porquês, sequer esperanças, só os tons alaranjados que clamam pelo descer da Lua. Desde a escola aprendi que a Lua é o satélite natural da Terra. Na verdade, ela é o satélite que inspira seres pálidos e noturnos. Esta mesma palidez traz os silêncios desprovidos de sol que tão profundos como só a noite sabe se portar. Tenho saudades de sentir solidão e medo de admitir isso. Quero fugir da minha casa porque tenho medo do monstro que vive em meu armário; não quero libertá-lo, tenho medo de ser feliz. Sssh, quero falar muito, muito baixo. Não quero que ninguém escute minha vida, nem tampouco eu quero berrá-la por aí. As sinonímias são sempre imperfeitas e as onomatopéias para o silêncio também. Os nós são feitos com fitas de seda e reforçados por minha fraqueza, tornando-se, assim, difíceis de desatar. Não faça isso, não faça aquilo; diga isso a ela, seja verdadeiro por mais que doa. Sempre quis duas coisas na vida: ser livre e que me escutassem. Paradoxo. As palavras prendem e libertam ao mesmo tempo. Posso falar, me sentir livre e te prender ou posso falar, me prender e te libertar. Não, definitivamente eu não quero uma casa no campo com flores e silêncio da aus~encia de barulho. Quero o silêncio do amor e respeito. Quero flores nas praças e pontos de ônibus dos centros das metrópoles. Estou a anos luz de ser a mulher biônica, eu só quero teu amor cru e nu. Amarro mais um laço em mais uma fita de seda. Não quero magoar ninguém, só exercitar o ser-me... Quero que sejas pra mim também. Acredita quando eu digo que é difícil ser eu? Acredita quando eu digo que é difícil ser eu uma vez que não quero te magoar? Acredita quando eu digo que é difícil ser eu uma vez que não quero te magoar porque você me faz sorrir? Acredita quando eu digo que é difícil ser eu uma vez que não quero te magoar porque você me faz sorrir e eu quero te ver sempre sorrindo? Isso tudo cansa, mas eu me acostumo. Comprei vitamina C e estou tentando fortalecer meu sistema imunológico mental. Até parei de ver telejornais, estou tentando abstrair a permanência do Sarney no Senado e observo de longe como todos parecem açougueiros mascarados por culpa da influenza A. Eita vida besta, meu Deus! Nada melhor que esta frase do Rosa para explicar. Explicar o quê? Darwin explicou algo, Newton mais algum algo. Penso, logo existo? "Penso", ok. "Existo", tenho dúvidas. Resisto até quando doer. Resisto até quando der.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dialética











É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Curriculum Vitae

Os dias os quais eu não te encontro são enlouquecedores. Procuro tuas músicas e vídeos. Ouço-os, vejo-as e enlouqueço mais. Faço tudo isso na tentativa de não pensar em você. Não quero sequer cogitar a possibilidade de você haver se esquecido de mim. Eu preciso do teu gosto na minha língua. Preciso das tuas palavras desconexas. Preciso me lembrar que não sei agir quando estou contigo. Preciso tremer se te escuto, se te olho, se te devoro. Eu gosto mesmo é do teu peso sobre meus ombros, sob meu corpo, sobre meu tapete; isso sim me traz felicidade.

Restou um maço incompleto do teu cigarro aqui na mesa de cabeceira. Sempre odiei os fumantes, achava nojento, mas não você. Tua fumaça tinha cheiro de canela, tinha um cheiro muito pessoal. Gosto do jeito que faz com a boca quando dá tuas baforadas. Teus lábios formam um circulo carnudo, carmim, cádmio. Nunca fui muito boa em exatas, por isso sempre fui extremamente apaixonada pelas humanas. Foi você quem me ensinou toda a Biologia das coisas e me fez enxergar a anatomia das artes.

Eu te recitava os versículos de Cantares de Salomão em umas noites quentes e brancas. Enquanto recitava, você beijava a boca da garrafa de uísque. Keep drinking. Gosto de te observar, pois sei que tomarei parte daquela satisfação muito me breve. Teu olhar era um invasor que rasgava minhas vestimentas a milhares de metros. E o que falar quando dividíamos os papéis, a ciência? Nestas noites brancas e quentes tentávamos desmentir a tão famosa lei da Física: Dois corpos não poderiam ocupar o mesmo lugar no espaço. Mentira. Quem disse isso nunca amou na vida, nunca se jogou em um precipício de sedas caleidoscópicas. O romance é a melhor droga do mundo e eu era viciada na tua seiva.

Enxergava todos os matizes em tua auréola de fumaça e acreditava em todas as desventuras que teu ar alcoólico narrava. Teu som é a reencarnação das composições de Beethoven. Ainda bem que ele era surdo e não ouviria nossos barulhos. Você é um Dom Quixote e eu a Dulcinéia que se jogou na frente de teu cavalo magro e sujo. E esta é nossa História, nossa aventura e desventura. A verdade é que eu preciso de você agora, de qualquer modo, sem qualquer razão que não seja você mesmo. Preciso me sentir desconcertada por teu olhar repreendedor que me fez crescer em gênero, numero e grau. Amo tuas esquisitices como nunca amei ninguém.

Antes de a nossa desventura começar, isso tudo estava cheio de ninguéns que se foram, mas você conseguiu ser alguém. Mentiria se dissesse que sou incompleta sem você. Eu preciso de você aqui porque eu gosto. Eu te quero aqui porque o ar fica muito mais leve quando coberto pelas nuvens da tua nicotina. Eu te amo porque são teus dedos que tocam todas as minhas sinfonias de ouvido. Eu enlouqueço sem nossas noites hibernais, infernais. Ainda tem uísque aqui no bar e cigarros e um isqueiro novo. Eu comprei Volver. Então volta para tempestuarmos juntos. Tua loucura universal me consome e me revive. Eu quero morrer todos os dias só para você me levar de volta ao teu paraíso.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Querer

Talvez eu queira que você entre em minha vida bem devagarzinho. Acho que quero ouvir teus passos ao longe, mas sempre presentes. Acho que quero um querer diferente, um querer só teu. Talvez eu queira mesmo é que você me faça rir, sorrir. Que as nossas horas passem depressa nos finais de semana para me sentir feliz na segunda-feira. Quero que a saudade te construa com linhas precisas e imperfeitas. Eu quero é não esperar, nem me desesperar. Quero aprender tua simplicidade. É, eu quero mesmo que você entre devagar na minha vida...

terça-feira, 2 de junho de 2009

Resposta





Quero escrever-te como quem aprende. Fotografo cada instante, aprofundo as palavras como se pintasse, mais do que um objeto, a sua sombra. Não quero perguntar por quê, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? Embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim.

Clarice Lispector in “Agua Viva”

domingo, 31 de maio de 2009

Hibernar
















- Eu gosto de dias frios e cinzentos de inverno.
- Dias assim lhe permitem saborear um mau humor.
Calvin

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Classes gramaticais

A vida é feita de substantivos. Palavras que tentam expressar, denominar sentimentos inexprimíveis, inomináveis. Palavras que tentam calar vozes que jazem mudas, que transpondem desejos. Ainda assim lá estão eles, os substantivos, como guardiões. verdade é que não há definição possível e exata para sentimentos intrínsecos como amor, dor, alegria, solidão... Qualquer um que tente utilizar, torna tudo prolixo e indubitavelmente vago, vazio.
Os adjetivos são uma tentativa desesperada de explicação, entendimento. Os seres preciam se fazer entender, mas também somos análogos, ambíguos. Entretanto, tal necessidade de explicar o inexplicável nos é latente.
Pergunto-me agora sobre os verbos. Em meio a tantos transitivos e intransitivos, só um se sobrepõe, só um se faz necessário, só um é sublime... Aquele que é o mais intransitivo de todos: Amar.


Aproveitando a semana de Páscoa e reorganizando desorganizadamente umas gavetas, encontrei, ou melhor, reencontrei uma parte de mim. Portanto, decidi iniciar uma série (?) de, digamos, ressureições ou seria isto um revival? Não sei. Bem, este está datado de 10 de Julho de 2007. Quase dois anos... Dois anos bem intensos desde então. É, como a gente muda. Que bom não ser a mesma.

domingo, 5 de abril de 2009

Anotações para Maio

Você me invade. E eu te rasgo. Distorcemos os paradigmas e não ligo se você vai embora logo. Sei que estará dentro de mim em algum momento, por alguns momentos. Espero que não cause feridas. Vou sangrar, eu sei. Sei também que só verei o sangue tempos depois na brancura das horas. Eu não me importo em jorrar. Eu me importo em não sentir. O nada me importa.

Suas promessas falsas me dão alívio, me fazem respirar. Uma mentira disfarçada de verdade é algo tão belo se dita por você. Você faz isso com primazia: Escolhe vocábulos, sintagmas, almas e ouvidos. Desta vez, por um acaso de quem está no lugar errado e na hora certa, você me escolheu. Na verdade, você se acomodou anatomicamente em mim, pois eu te apontei havia muito. Tua voz é melódica e tenho vontade de perguntar qualquer coisa sobre teu passado, que não me interessa, somente por te ouvir mentir mais alguns segundos. E todos os outros que continuem calados.

Eu construo tua imagem descabida parte a parte. À parte de mim está tua espera. Você diz e desdiz sua volta. O carnaval está próximo e eu quero dormir e sentir teu perfume, somente. Sem confetes, só o colorido de nossos corpos e íris. Meu querer-te é imensurável, mas você bem sabe que eu sei que você não vai ficar. Contudo, os quilômetros deixaram para trás, em mim, os amores e suas representações musico-cinematográficas. As semanas transcendem com suas mentiras mazeladas que amo tanto e, abrupto e aos poucos, você se vai.

Mal-me-quer. Te quis. Te disse. Te dei minha verdade. Confesso que sou uma tola, mas você esculpiu com tamanha primazia este querer que me conformo em te dar adeus. Você sempre foi errante. Você libertou meu espírito errôneo. Talvez um dia eu e você nos enxergaremos. Talvez, algum dia, nós...

sábado, 14 de março de 2009

Xeque-mate

É sábado e as pessoas estão festejando. A verdade é que nem ao menos sei porquê estou aqui. Acho que voltei a um estágio inicial de observância. Todas as vozes parecem ruídos e corro o mais rápido que posso para não perder as mais conhecidas. Não que tenha ficado surda, isso não. Os sons estão ininteligíveis e eu tenho pavor de enxergar e não entender. Cadê você que me faz tanta falta? Cadê todo aquele eu?

O dia transcorre transtornado e eu aqui pensando em você e movendo a torre, a rainha e o cavalo. Xeque-mate. A torre desabou por causa da minha mão. O líquido do meu copo transfigurou a rainha. Juro que estava indo bem no jogo. Tenho esta maldita mania de jurar e geralmente minto. Mas juro que estava indo bem no jogo. A rainha está diferente agora; está inexplicavelmente cheia da plebe e sua presença é artefato dormente. O cavalo move-se para todos os lados. De lá pra cá, de cá pra lá... Não pára. Arrasta-se. Não paro. Continua. Tento. O caminho não existe, ele se faz ao caminhar.

Quero fazer uma viagem, não importa aonde, pode ser aqui ou na China, não importa onde. Mover. O cavalo pode mover-se de todos os lados, para todos os lados, praticamente uma esquizofrenia delimitada por quadrados brancos e negros. Contudo, amava mesmo a torre. Amava meu sótão só com a janela aberta. Via estrelas cadentes e sonhava morrer quando uma caísse em mim, esta seria a morte mais bonita do mundo. Nunca joguei tranças, meu cabelo é curto demais. Deixava a porta de vitral colorido encostada. Era só invadir ou sorrir ou abraçar.

O líquido do meu copo esvaiu-se, inundando a torre. A rainha transfigurada observa silenciosamente ao longe. O sol se põe delicadamente e avermelhado. A noite altiva e prateada acaricia os cabelos desgrenhados da então aliviada rainha. Aliviada porque a noite iguala os seres. À noite todos são igualmente sós, mesmo que em sonhos.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Chumbo trocado não dói


E no fim dos tempos os amantes trocariam confidências. Nem sempre aquilo que é dito na face do momento é real, mas as letras transbordam, ecoam. Para se falar de amor é necessário muito mais que amar. É necessário não envergonhar. Nós somos sujos e as palavras purificam...

Quarta-feira, 10 de Abril de 2008

Ela é do tipo de mulher que te inspira a mais divinal confiança. Com o passar dos dias e de como é seduzida, ela se entrega. Dona de um ímpeto diabólico, ela te propõe as loucuras mais masoquistas. Ela sempre te surpreende, não importa a maneira: por uma nova garrafa de vinho, um sutiã novo ou o mesmo vinho e o mesmo sutiã sobre o corpo. Ela dá uma sede viril, imperdoável. Engana-se quem acha que ela não se apaixona. Ela ama e muito, mas é um amor tão intenso e efêmero que te desconcerta por inteiro. Ela é uma ladra e faz com que um homem se envolva por vontade própria em suas tramas maquiavélicas. Ela nunca aceita nada; diamantes ou chocolates. Ela é carnívora. Oferece e devora banquetes. Ela é do tipo de mulher que te olha na cara, come teus olhos e faz você confessar as coisas mais inconfessáveis. Coisas estas que fariam qualquer um se afastar de você, mas ela não é qualquer uma. Ela tem um olhar-sorriso de canto que faz com que você sempre volte sempre que ela quiser. Contudo, ela sempre vai. Ela vai, mas fica. Fica porque nunca vai embora por completo. Fica porque deixa uma cicatriz, uma tatuagem... Ela deixa qualquer coisa de eterno. Meu quarto está cheio do perfume dela e quando lá adentro, sinto ainda aquele gozo melancólico, fatal. Ela ressuscita todos os dias. Nada de romances eternos; ela ressuscita todos os dias ao toque das minhas mãos em meus quadris. Depois, afogado em suor e sangue, volto para o quarto. Ela roubou minha cama, minhas cenas de banheiro e desconcertou meu paradoxo. Mas ela sempre vai.

Sempre vai.

Fica porque eu te amo. Fica por eu ser um louco em te amar. Fica porque há resíduos da tua pele embaixo das minhas unhas. Fica porque, por mais que você vá, nós não estaremos longe. Fica porque o sexo é meu, mas o gozo é teu. Fica para nos unirmos de todas as formas possíveis. Fica porque eu te amo.

Fica.

PS: Desculpe ter falado de você em terceira pessoa, mas esta foi a melhor forma que consegui: Ser indiretamente direto como alguém que contempla O Nascimento de Vênus e se hipnotiza.


Domingo, 14 de Abril de 2008
Você me seduziu com aquela tatuagem de Marte no teu braço esquerdo. Só então descobri que você é canhoto. Odeio números ímpares e coisas esquerdas. Gauche, este é você. Sou destra, mas longe dos direitos e longe de ser direita. Você me atropela, me entorta, me vira pelo avesso como um guerreiro patriota dizimando a nação alheia. Te odeio pelo espelho. Te odeio por esta minha miopia. Te odeio pelas vezes que, bêbada, alcanço a tua cama e não te encontro. Depois volto mais bêbada e nos encontramos na porta da tua casa. Você, sóbrio, querendo me matar; eu, bêbada, querendo me jogar. É isso que somos: êxtase e vômito. Esta nossa carnificina sadomasoquista é o que me dá vida. Amo as palavras sujas de teus livros e tudo que elas fazem comigo. Que venham teus zumbidos e barulhos. Amo os poemas de Álvares e tua voz à luz de velas. Você é honestamente desonesto e só eu sei como o relógio reluta em não sucumbir certas noites minhas. Tua frieza é furtiva, minha insanidade cristalina. Não somos óleo e água. Somos Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Completos destroçados, metades em negros escombros.

Sim, sempre vou embora. Vou embora para não te dizer não. Vou embora para te ver sempre sóbrio, pois a bêbada sou eu, paulatina e agressivamente. Somos solitários in loco. Teus deuses me renegam e eu me rendo a eles. Sim, sempre vou embora.

Queria fugir-me... Fugir-te.

Comprei um novo quebra-cabeça. Sei bem que você é muito habilidoso com eles, eu não. Há ainda muitos espaços vazios. Fico. Fico para completá-lo. Fico para completar-me.

Fico porque te amo.

PS: Eu odeio domingos com ou sem você. Mas, ainda assim, preciso te ler em todos os pronomes pessoais de plural e singular.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Grito


Me dá raiva pensar nisso tudo. Me dá tristeza pensar que você optou pela distância. Me pesa saber o quanto poderia ter te amado. Te entreguei meu corpo e guardei minha virgindade, não a de sexo, mas de todos os sentimentos que só conheci contigo. Não digo só sexo porque isto é algo que se resolve facilmente entre mãos e imaginação. Contudo, a magnitude do amor não pode ser criada à mão como estátuas de barro, nem mensurada pela imaginação do mais brilhante poeta.

Para sempre é a mais cruel das expressões; mantêm a alma encarcerada. Para sempre é uma das promessas que fazemos somente por um prazer masoquista; só não consigo ver uma verdade nisto. A que ponto chegamos? A ponto algum. A porta continua aberta. Os amanheceres sempre vêm suprimindo sua ausência momentaneamente. Mas eu vivo, as pessoas é que acham que não. Cada um vive a seu modo, certo? Eu vivo do meu. De silêncios em silêncios preencho minhas lacunas. Te vejo pelo vidro embaçado da janela e depois saio de casa. Você sabe muito bem que a chave extra fica embaixo do tapete.

Você fez com que eu conhecesse o arrependimento; o arrependimento da confissão, da confissão do amor. Hoje eu preferiria ter me resguardado de teus beijos, dos teus telefonemas. Preferiria ter me resguardado de você. Tenho o dom de afastar as pessoas de mim. Não seria diferente contigo. Definitivamente não sou um ser digno de afeto. E não digo isso fazendo um dramalhão; é realmente o que penso. Que as almas nobres possam me perdoar. Que você me perdoe.

Me perdoa por ser tão exigente, tão intrasigente, tão instável? Me perdoa por brigar quando você não me chamava pelo nome? Mas é que ele fica tão mais gracioso quando é você que o pronuncia. Preciso ouvir sua voz e o meu nome é a única coisa que ainda possuo. Não posso exigir tanto assim de você quando quem tem que ser doar sou eu. Mas fico feliz com seus movimentos e desejos que me dão insônia. Vem, volta ou me traz de volta. Estou com saudade da nossa paz.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O espinho

“I was going to kill my heroine.¹

Quando Rosa olhou para o lado não o encontrou. Doía não tê-lo por perto e ela precisava encontrar imediatamente uma forma de neutralizar toda aquela dor. Já sei, pensou ela, vou à costureira, pois tenho uma festa muito importante no sábado e quero ficar muito elegante. E assim ficou decidido.

A costureira de Rosa morava em Copacabana, mas ela precisava escolher os tecidos em uma loja lá na Avenida Rio Branco. Rosa detestava aglomerações cansativas, mas era por uma boa causa, convencia-se ela. Arrumou-se, colocou um salto agulha e batom vermelho. Sim, queria chamar a atenção dos outros. E Rosa era mulher bonita, sabe. Tinha um corpo bem torneado e dourado. Pois é, vamos nos ater aos aspectos físicos uma vez que falar dos interiores é assunto Freudiano.

Rosa também era uma mulher viajada. Claro que ela sempre se encantou muito mais com as arquiteturas gêmeas dos shopping centers que com o Louvre, por exemplo. Mas isto não vem ao caso porque se existe algo que não foge a regra e a nenhum ser humano é a dor. E era isso que Rosa sentia: dor. Dor esta, abafada pelo barulho e pelos tons fortes de seus sapatos e batom.

Então, perfumou-se, fez um coque no cabelo, entrou no carro e saiu. No caminho o único pensamento que Rosa tinha era sobre o inferno que seria encontrar um lugar longe dos flanelinhas para estacionar o carro. O destino parecia a estar ajudando, encontrou um lugar rapidamente e partiu para sua odisséia da cor e textura perfeitas. E encontrou. A felicidade era tanta que qualquer um poderia confundi-la com uma criança e seu doce. Talvez fugir desse aquela sensação de felicidade instantânea, um certo alívio. A cor do tecido? Indescritível.

Entrou no carro e ligou o rádio. Só a rádio não colaborou com ela, pois tocou todas as músicas cujas letras não queria lembrar e não podia mais dançar.

O que será ser sua sem você
Como será ser nua em noite de luar
Ser aluada, louca
Até você voltar
Pra quê

O que será ser só
Quando outro dia amanhecer
Será recomeçar
Será ser livre sem querer
Quem vai secar meu pranto
Eu gosto tanto de você²


Todavia, rádios são problemas fáceis de ser resolvidos. Cala a boca, ela disse apertando o botão power. Para a sorte de Rosa, Copacabana estava próximo e com isso a alegria pela confecção do vestido seria logo alcançada. Mal sabia Rosa que as pétalas das rosas são as primeiras a cair.


¹Virginia Woolf, personagem de Nicole Kidman no filme “The Hours”
²Abandono (Composição: Chico Buarque e Edu Lobo)


Espérer

Queria escrever, mas as palavras me fugiram. Não consigo esboçar um ínfimo de sentimento que seja, pois estes parecem trasbordar o limite das laudas. A gente passa por tanta coisa nesta vida que, em certa época, ter esperança parece ser contraditório. Não, não é... Apesar dos pesares, apesar de todos os gritos mudos e lágrimas secas.
Nunca acreditei em mágica e muito menos que as coisas por ela se realizassem. Contudo, se há uma palavra realmente encantada, está é recomeçar. Não que acredite em coisas nulas e que viveremos sem embasamento de situações anteriores. Caso fosse assim recomeçar perderia o encanto. Recomeçar é a capacidade de ir além de nós mesmos, de nossas amarguras. Todos experimentam o desespero, o nada, as máscaras. E daí que somos falhos? Dizemos não tantas vezes. Estar vivo é fácil, basta nascer. Viver é um mistério. Um mistério tão negro que nem sequer temos o direito a uma lição antes da prova.
Não consigo falar muito bem sobre pessoas. Sobre mim mesma também digo quase nada. Sou ambígua, prolixa e sei muito pouco. Por isso me bastaria o fim, mas não o quero. Não quero o conforto de quem vive se lembrando que tentou. Não, não... Quero que dê certo. Parece ser algo doloroso, um prazer estranho. Não posso concordar, muito menos discordar. Eu preciso que as coisas dêem certo. Estranho inconformismo. Então pra quê tentar se já começaremos nos remetendo a um não?
Não sei se procuro por dores, também não sei se gosto delas. Todavia, estou certa que gosto dos sabores e dos sorrisos e de poder fazer uma ligação durante a madrugada. Não quero esperas, apesar de saber que são necessárias. Quero esperanças com seus sabores agridoces. Esperar, talvez; esperançar, reconstruir sempre.