segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Cacos e Fra(s)cos

Hoje percebo que cada amor que tive levou um pouco do meu escasso léxico. As palavras não brotam como antes, ficam ali naquele dicionário inato, inerte. Talvez eu não tenha sabido amar. Alguém aí sabe amar? Dizem que o amor é como um jardim. Se assim fosse era só seguir as instruções atrás da embalagem de sementes... O amor é mortal assim como viver.

Eu sei exatamente qual é meu erro; meu erro é meu desespero e essa coisa forte que não me deixa equilibrar a balança com dois pesos, duas medidas. Eu fico nessa de querer abraçar você, de não querer te ver, de tentar falar, de saber que você vai esquecer. Então eu me rasgo de raiva, eu saio pra rua nua e descubro que a lua bonita no céu é mais doce que a vingança. No dia seguinte eu escrevo cartas com obrigados e eu-te-amos que não são recebidos no dia certo e, mais uma vez, esse amor furta-me mais um punhado das minhas palavras tortas. Adoeço e me faço de forte. Mulher é desdobrável, eu sou. Sou veementemente febril, volátil e voluptuosa, mas nego tudo isso até a morte.

As reviravoltas diárias deixam-me confusa. Domingo, agora, é dono do céu, do êxtase. Segunda-feira é mãe da espera e do engarrafamento. Diante daquela janela pela qual só se vê de dentro, encolho-me de medo e tento ler, ler-me, mas não aprendi braile e de tanto esforço posto nisso, quase adquiro LER. Minha alma, minha lama já diria o poeta. Passei uns 300 dias torcendo para que você entrasse por aquela porta sorrindo, mas isso nunca aconteceu porque eu sempre soube onde te encontrar e você não entraria naquela sala mesmo que eu quisesse, mesmo que eu pedisse. Os 300 dias se foram e hoje me restam suas orações e umas doses homeopáticas de afeto e açúcar. Os 300 dias se foram e hoje isso parece conversa de elevador: Como foi o dia? Sua mãe tá bem? Tudo bem no trabalho? Não gosto de muitas perguntas, gosto mesmo é de ser arrebatada.

No emaranhado de afetos e desafetos, eu cato nos recônditos os restos de amor e tento criar algo menos confuso com eles. Criar com cacos sempre corta, é uma hemorragia. Se a gente soubesse não criava nada com cacos – deixava o tempo passar e a ave sair, mesmo que fosse por 24 horas. Contudo, na desordem do armário, os cacos fazem morada como monstros que podem atacar a qualquer momento em que uma porta é aberta. Meu armário está aberto e os cacos espalhados por aí, assim eles perdem força. Tudo isso é identitário, é a busca por algo que doei, que distribuí deliberadamente e que me faz falta. No meio disso tudo está aquele envelope médio de papel pardo – ele guarda a parte física daqueles 300 dias. Eu te escrevi tantas cartas do meu amor desorganizado e lânguido e estou certa de que você as guarda no seu armário, junto aos cacos, dentro de uma caixa box. Até nisso você foi melhor que eu, mas não importa eu ainda tenho aquele envelope médio de papel pardo com perfume de flores. Sou nostálgica e gosto de esgueirar-me nos precipícios. Não sou medrosa e já tenho a moeda para o barqueiro.

Amor é fogo que arde sem se ver. O mesmo fogo que arde, destrói. Espero que não tenha destruído as palavras estranhas, minhas favoritas. Ele era alto e de olhos negros, ele era minha palavra estranha favorita e agora cabe em um envelope médio de papel pardo com perfume de flores enquanto eu, à espreito, aprendo a colar. Antes só que mal remendada.

3 comentários:

Unknown disse...

pesado hein...
adorei o texto. muita alma nele, alma toda pelo visto.

Anônimo disse...

pq isso hein?

Anônimo disse...

Hey teacher, eu AMO os seus textos. Mas não amo pouco não, AMO MUITO! Aprendiz de Lispector.
Só não achei como seguir o seu blog, mas se der, siga o meu. Não é tãão bom quanto o seu mas.. (=
Felicidades.