quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Ires e vires

Pisar nesses azulejos caramelos como quem descobre rotas secretas, tem sido intrigante. Andar pelos cômodos, medir a altura da cama, varrer os tapetes, escrever à faca na mesa do escritório é como desvendar mistérios em vão. Por mais que abra as persianas, escute os sons estrondosos e me acomode no sofá de pelica sinto-me pequena. Nunca conseguirei adentrar esse lugar e deixar o rastro do meu cheiro nos lençóis – terei sempre que me anunciar e morrer de medo com o barulho da porta abrindo e que tipo de olhar você lançará sobre mim. Aliás, percebi que eu não sei de qual cor são seus olhos, já os vi de tantas cores, mas acho que acredito mais neles quando estamos no escuro.


Sr. Estranho, Mentiroso, Misterioso... Poderia dar-te tantos outros nomes em francês... A gente sempre se ilude de que é mais bonito sofrer em outro idioma, talvez seja porque esquecemos as palavras que transcendem a língua materna. Eu nunca te esqueci mesmo você discursando em outro idioma na nossa própria língua. Perguntei-me tantas vezes em que nossas mãos encontravam-se, se deveria estar ali tentando uma sincronização que me parecia, por vezes, tão desencontrada. Eu gosto de sonhar e quando você me abraça nas nossas caminhadas efêmeras, sinto ganas de fugir – fugir do meu corpo, esse mesmo corpo que clama por você.

Queria saber como pude fazer isso comigo mesma, como pude não deixar o tempo passar e guardar um baú de lembranças jamais vividas. Quando alguém que amamos morre e decidimos cremar seu corpo, o ritual de desfazer-se das cinzas mais parece, ilusoriamente, o desejo do renascer da Fênix. Queimei cada papel, cada domingo, cada música enviada e quando resolvi desafazer-me do baú, como num passe de mágica, como se eu fosse um deus, lá estava você intacto, sorrindo e conhecendo minhas fraquezas. Você sabe muito bem que não gosto de explicar as coisas nos mínimos detalhes, que não falo do meu corpo porque tenho vergonha daquilo que não aprendi a amar e que sou uma menina, uma menina medrosa.

As páginas amareladas do livro denotam que o tempo, de algum modo, passou. Se rápido ou devagar não interfere no que sinto hoje. Todavia, eu sempre soube que nunca poderia, por mais que o tempo passasse, passar ilesa por você, de você. A única atitude que tive foi podar meus desejos, deixar secar ao sol tuas promessas falsas que aprendi a amar. É, sou masoquista a ponto de assistir tuas ilusões sonoras como uma simples espectadora da minha própria vida e, por alguns segundos, sentir-me feliz em submergir no licor viscoso delas. Estou certa. Estou errada. Estou. Estamos. Essa sou eu. Eu sou. Tu és. Não seremos.

Não seremos in loco. A solidão é o remédio, a salvação. Não aprendemos a dividir, não aprendemos a nos dividir. Mas também é a pura verdade que sinto uma enorme vontade de conhecer por inteiro o menu dos teus sabores. Eu amo tanto te ouvir que o silêncio, meu abrigo, expande-se. Te escuto e não sei me organizar sintaticamente, os significantes e os significados formam signos errados e minha zona de conforto não variável é calar-me. Essa sociedade amorosa é mesmo um fiasco e eu nunca quis tomar seu tempo com besteiras. Belos rostos são encontrados todos os dias e eu, novamente, nunca quis tomar seu tempo com besteiras. I wanna a perfect body. I wanna a perfect soul. A verdade é que eu nunca quis tomar seu tempo com besteiras.

O aroma do café permeia nossos olhares desconfiados. Criamos um universo rarefeito que sequer nós conseguimos colonizar. Poderíamos ser tantas coisas – separados. Eu não seria tão fria e você não soaria tão falso. Abre essas janelas, deixa o barulho da rua entrar. Deixa eu esquecer a textura do lençol, os nomes nos copos de café e a saída pela porta de trás. Eu não quero mais te encontrar nas saídas dos labirintos. Eu não quero mais ler e não crer. Eu e você não poderíamos ser nós, apesar das minhas contradições. Não me leve à sério, me leve por aí. Me ame. Mande-me embora, mostre-me o caminho da porta pra fora, pois esse eu não consigo aprender sozinha.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Tautologia

Casa comigo que eu sou capaz de te fazer ver tudo que está bem na ponta do teu nariz. Eu pinto tudo de azul e te deixo a vontade para correr nua pela casa. Casamento é substantivo capcioso, é o contrário do que parece ser, mas casa comigo que eu viro teu sapo quantas vezes quiser.

Casa comigo que eu te deixo dormente e transformo todo o teu chão em cama macia. Se quiser, eu não peço pra você gritar, mas encosta teu corpo bem perto do meu e respire profundamente, sempre.

Se você decidir casar comigo, farei de você a mulher menos mãe do mundo. Contudo, sei que você não se importa em não ter filhos. Mas casa comigo que te semearei herdeiros todas as noites só pela profundidade do teu fitar.

Casa comigo que eu troco as amantes de endereço e peço que todas as minhas contas sejam entregues na nossa casa. Minha cor favorita é o vermelho, mas gosto quando você se veste de branco, é como se fizesse parte da sua pele. Então casa comigo porque eu também quero ser parte das tuas negras noites.

Casa comigo porque estou cansado de procurar presentes diferentes sem saber do quê você gosta. Portanto, se você casar comigo, pode falar dos comerciais e das revistas de moda e livros com finais infelizes que eu dou que eu gasto e me desgasto só para me poupar das tuas reprovações.

Que a decisão de se casar comigo não seja baseada na angústia que posso te causar em nossos dias. Só se case comigo para que possa te trazer estrogênio, chocolates, endorfina, músicas, feromônios e flores.

Casa comigo para eu arrancar tudo isso de bom que há dentro de você e me apossar da tua alma, pois quem sempre perambula de madrugada sou eu. Se você aceitar tudo isso, verá a quantidade de frieza que existe aqui dentro de mim.

Casa comigo porque você nunca acreditou nas minhas mentiras, mas, ainda assim, amou todas elas. Quero jogar na tua cara que você sempre soube quem eu sou e que se está aqui é por vontade própria.

Se quiser se casar comigo, não espere nenhuma festa. Casamento não é um evento imperdível. Daí, case-se comigo que eu nunca vou te perdoar por usar aquele fraque ridículo em um dia de calor com toda aquela gente insuportável me olhando admirada.

Casa comigo pra eu te mandar embora, para depois você olhar na minha cara com um sorriso sarcástico e me chamar de idiota. Você não precisa de mim, então casa comigo para eu precisar menos ainda.

Casa comigo para me provar que sou um burro em pedir. Mas casa comigo só para poder te sentir e te ressurgir nas tuas manhãs de cara amarrotada. Arruma tuas malas que eu quero te levar para o meu buraco. Então casa comigo e me faça tão infeliz quanto posso te fazer e quanto tenho sido.

O amor vem pelo mistério, pela paz, pelo rompimento, pela quebra dos paradigmas e pela tolice de professar os maiores clichês como se fossem preces a um deus que vive escondido por aí a espera de um sim. Então, casa comigo porque eu preciso e admito que sem você este abismo é muito mais miserável.