segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amar é transgredir.

Eram exatamente naquelas tardes cinzentas em que ela o via. Ele era meio desengonçado e além dela, não se sabe quem mais atentava as pupilas para o caminhar dele. O nome dele era Roam. Roam, nunca ouvira um nome tal qual, mas combinava com aquele sorriso sempre desconfiado e um olhar que parecia fugir do olhar. Ela o via às quintas-feiras e não importava o que estivesse fazendo, ela iria sentar naquele banco, no final da tarde, e esperá-lo passar. Por vezes, existia a sensação de reciprocidade de olhares e talvez fosse realmente tamanha que desviavam-se concomitantemente. Em uma dessas quintas, os dois dividiram o banco.


Tantos anos depois e eu só penso em você. Lembra daquela vez em que você pediu que eu te ensinasse a me beijar? Lembra o que eu disse? “Os lábios devem ser beijados devagar, que são como o inicio de uma jornada. Jornadas precisam ser sonhadas e, quando iniciadas, precisam ser tateadas por dedos ávidos e carinhosos, como quem desenha uma rota de fuga. Posteriormente, a entrada em outro território permite uma troca quente e saborosa.” Você me disse, sorrindo matreiro, que não havia entendido absolutamente nada, me agarrou pela cintura, ajeitou meu cabelo e me beijou longamente. Lembra? Eu nunca esqueci.


Hélio caiu na sarjeta depois que Bela foi embora. Eram tantas mentiras que passaram a viver delas – metiam que se amavam, que se desejavam, que eram felizes. Mentiam todo o tempo. Bela mentia ao dizer que tinha tirado de alguma planta a flor que trouxera no cabelo. Hélio mentia sobre um problema de ereção. Um ria das piadas incompreensíveis do outro e tinham longas oito horas de sono diárias. Hélio casara-se com Bela porque era, de fato, bela. Bela casou-se com Hélio por qualquer motivo que não resiste ao mal hálito matinal. Traíam-se para suportarem-se. C'est la vie. Mas sempre haverá alguém pra desistir ou compreender primeiro.


Dançavam exibindo corpos torneados e suados. No dia seguinte, um sábado, acordaram num motel barato, nus e ainda com a sensação de cansaço e falta de ar. Nenhum dos dois lembrava-se o que havia acontecido, mas sabiam que havia sido bom. Mentiram seus nomes e enquanto ela tomava banho, ele pegou o celular dela para gravar o número. Domingo, 10:00, ligação: Oi, sou eu, de ontem. Quero te ver. Me diz seu nome de verdade? Meu nome é Júlia. Também quero te ver de novo. Domingo, 15:00, reunião de família: Este é meu filho que não conhecia. Estou muito feliz de, finalmente, tê-lo aqui. Domingo, 15:02, terror.


Eu te amei até com meu medo. Mentiria se dissesse que não gostaria de mergulhar em você. Não posso. Tenho medo dos teus segredos, de você ir embora, tenho medo de me ferir, de me afogar e não há morte pior que a concebida na praia. Preciso que você me ame, que me grite. A fria aqui sou eu e você não tem o direito de me imitar. Hoje quando suas mãos deslizavam deliberadamente nas curvas do meu corpo voluptuoso, só consegui pensar: uma pena amanhã ter que chegar. Ter que mapear um novo comportamento com o meu tão típico blasé, passar uma maquiagem escura nos olhos e me repetir. Não preciso que haja um amanhã, só quero que o hoje dure eternamente.

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