domingo, 7 de setembro de 2008

O triste

Guardou esta manhã
para chorar longamente,
o que não fazia há muito.

Não porque setembro,
não por um fato específico,
um isto que fosse. Ou,

de tão antigo, seria um motivo que
não recordava e agora o hálito de seu abraço
frio e sem rosto?

Guardou, para tal manhã,

olhos e boca. Mas o rápido,
repentino sumo de uma luz

pelas frestas veio dar nos livros,

o telefone, crianças lá fora, jornais
e talvez, e ainda.

Manhã tão breve.

Quem sabe, depois, outubro.
Hoje não houve tempo.


Eucanaã Ferraz - Rua do Mundo

sábado, 6 de setembro de 2008

Olimpo

Se tiverdes que vir, que venhas de verdade. Que abra as portas como verdadeiro dono da casa. Não quero aluguel. Quero papel timbrado e firma reconhecida pelo coração. Se realmente me amas, joga fora essas reservas; deixe que teu rio transborde dentro de mim. Quero tua história, teu berço, teus lençóis e datas tristes. Navegarei em teus mares, deitarei em tuas planícies, desbravarei tuas florestas e escalo teus montes em um contato despudorizado com tua geografia.

Se tiverdes que ser meu, que sejas por inteiro. Que venhas com toda força e todo verso; quero te sentir comigo e dentro de mim. Não quero só teus sorrisos de canto, quero o céu e o céu da tua boca. Se quiseres gritar, grites. Mas prefiro teus sussurros ininteligíveis ao pé de meus ouvidos. Cantarei tuas cantigas de amigo e teus versos livres. Quero a prosa consistente e tua poesia ardente em qualquer língua. Quero a biologia com todas as fusões e difusões e a matemática do um e um que se tornam um.

Se tiverdes que semear, que te espalhes por todos os meus campos. Que tuas borboletas pousem em todas as minhas flores e reluzam. Não quero os buquês de rosas, quero tuas sementes. Se pretendes fazer colheita, traga teus ventos e maremotos; não quero só tua calmaria, mas teu vigor de agricultor. Quero tua vida latejante nascendo em meu norte; quero-te nos pontos cardeais do meu corpo. Quero a beleza de Vênus e a sedução de Eros. Quero um Olimpo teu e
meu.